26 janeiro, 2015

As pessoas que roubam livros




Durante o meu passeio socrático nos grupos de leitores do Facebook, me deparei com a seguinte postagem:


“Alguém já roubou um livro?
Obs: Não roubei, mas conheço uma garota da minha escola que rouba da biblioteca e bateu curiosidade em saber se alguém aqui do grupo já roubou algum...”

Não é a primeira vez que encontro uma postagem sobre o assunto e o que mais me choca é o alto número de pessoas que já disseram ter feito a ação e não se arrependem. Muitas ainda concordam com a frase que não é roubo, é empréstimo por tempo indeterminado. Se você não tem a intenção de devolver e pegou sem pedir autorização, é roubo.

Achei engraçado estas respostas saindo de um grupo onde as pessoas geralmente se rotulam mais inteligentes que as outras por possuírem o hábito de ler. Achei mais engraçado ainda, as pessoas se ofenderem com a repreensão. Tomei a liberdade para destacar nesse texto algumas das respostas:



 “Trabalhava numa penitenciária e quando chegava doações eu "pegava"e quardava no meu armário sem ninguém ver. Um dia no meu niver uma amiga de lá me deu o livro A menina q roubava livros e disse q sabia kkkk”

“Roubar !?? Kkkk a biblioteca é publica ... Então tem dinheiro meu lá .. Então.. Alguns livros são meus.”

“Isso mesmo, não se rouba da biblioteca da escola se faz empréstimo sem registro por tempo indeterminado”

Roubo é roubo, roubar um livro não faz a pessoa mais digna do que uma pessoa que rouba um celular. Você gostaria que um amigo seu fosse à sua casa e escondesse um livro seu na mochila enquanto você pegasse um copo de água para ele? Você gostaria que alguém entrasse na sua casa para roubar e levasse seus livros juntos com a TV e o computador? Pense nisso.

E isso nos leva novamente a questão do que se anda lendo e o que está sendo abstraído dos livros. Sempre vi na literatura uma forma de aprendizado e aperfeiçoamento, acho que esta nova geração de leitores estão mudando  a visão do que é ler. É possível devorar 10 livros no ano e não aprender nada com eles. Por outro lado, começo a acreditar que no fim, eles não leem nada!

Um brinde aos leitores de caráter!

23 janeiro, 2015

Naquele meu riso de ontem

Naquele meu riso de ontem
Estava escondido um segredo:
Que os inversos são terras
Com seus privilégios
Mais régios, mais belos, mais certos.

Que os campos do universo (que não sou eu)
Têm mais grama (que não sou eu),
E uma gama de provérbios
Veio assistir minha sentença final
Que era o final que a percepção me deu.

Já não mais persisto
Não corro mais o risco
A caminho de mim
Pois me disseram que a verdade mudou de fim...

(Wlange Keindé)

19 janeiro, 2015

Nota mil



Não posso deixar passar batido o número surpreendente divulgado recentemente. Apenas 250 alunos, dos mais de 6 milhões de candidatos, tiraram a nota máxima na prova de redação do Enem. Ou seja, apenas 250 estudantes são capazes de ler, interpretar, tirar conclusões, organizar as ideias e passar para o papel de forma clara, coesa e sem erros gramaticais. É claro que algumas matérias mostram que a correção da redação do Enem é questionável, mas esses são os números que temos para tirar conclusões.

Um ponto que me chamou a atenção foram as matérias posteriores contando que a “paixão por sagas literária unem os estudantes nota mil do Enem”. Em nenhum momento deixei de acreditar que estes 250 estudantes possuem o hábito de leitura (E dedicaram algum tempo de treino). Taiane Cechin, de 17 anos, foi uma destas pessoas a produzir o texto impecável. Em entrevista para o Jornal Folha de São Paulo confessou que a saga Guerra dos Tronos e a trilogia do Senhor dos Anéis estão na sua lista de favoritos. Esses livros também estão na lista de favoritos de outro aluno nota mil, Arthur Novais Haddad, de 19 anos.

Um aluno quase nota mil, mas que mesmo assim merece o mérito, Luiz Montenegro, 19, tirou a nota 980 e conta que sempre procura ler bastante. Na mesma entrevista para a Folha de São Paulo, conta que Dan Brown é seu autor predileto.

O ponto que quero destacar é que esses três alunos, com formações em escolas diferentes (Tanto pública quanto particular) e em cidades diferentes, nos mostraram novamente que a leitura é fundamental. Não importa se é um clássico literário, uma saga aclamada ou um best-seller feito para vender. A leitura é essencial para a formação de um bom escritor. Leia livros, leia jornais, leia revistas, leia críticas, leia crônicas, leia bula de remédio e rótulo de shampoo. Apenas leia!



Um brinde aos alunos nota mil e àqueles que quase chegaram lá!

16 janeiro, 2015

Soneto do Sorriso

2º lugar na categoria de poesia do Desafio de Janeiro de 2014 do jornal online Olaria das Letras

Como um soneto que vem automático,
Um sorriso vem, tão simples e prático,
Igualmente, se houver a mesma prática.
Tal como um aprendiz da aeronáutica

Não começa voando, e um matemático
Não nasce já contando. Sistemático,
O sorriso treinado é função fática.
Sorriso é mesmo coisa majestática.

É bonito pros olhos, é remédio
Pra alma. Sorriso largo, curto, médio,
Sorria uma vez, faça realmente.

Sorriso longo, rápido, sorriso
Te deixa feliz. Logo surge nisso
Um ciclo de sorriso, eternamente.

(Wlange Keindé)

13 janeiro, 2015

Pedro e o Lobo



As mãos pequenas, mas ágeis, percorrem os detritos à caça de algo que valha um sorriso. Afinal, é pelo vislumbre do conjunto, já não tão regular de dentes, que um dia já foram motivo de orgulho, que Pedro hoje revira o que para muitos nada mais é que sobras, mas para ele pode guardar infinitos tesouros.

O sorriso é a mostra de afeição da mãe, que toma das mãos miúdas o prêmio e esconde-o fundo no saco, abarrotado e arrebentado, para que possam mais tarde, em casa, examinar o fruto de seu trabalho e saborear este breve triunfo sobre os outros tantos miseráveis que, como eles, buscam no lixo algum luxo e que, ou não tiveram sorte de encontrarem primeiro, ou não viram a jovem mãe (que para quem não lhe soubesse a idade, já a tomaria por uma senhora devido a pele envelhecida) e seu filho tão miúdo esconderem no saco.

Pedro ainda é pequeno, mas já grande o suficiente para entender algumas coisas. Bem, não muitas, mas ele, com certeza, se esforça. Logo, ele entende que por mais que goste de ver o sorriso, este pode ser denunciador, motivo pelo qual é tão furtivo. E por mais que suas mãos sejam pequenas, elas servem para chegar aonde outras não chegam, sendo, por isso, um grande trunfo para desbravar as inumeráveis montanhas com que se depara todos os dias. No entanto, sabe que elas são, também, muito pequenas para se proteger dos tapas, socos e pancadas que recebe do padrasto. E que daqueles lábios até brotam sorrisos, mas nunca do mesmo tipo que os sorrisos da mãe. Ele não sabe dizer muito bem como, mas sabe que são diferentes.

A rotina de Pedro e de sua mãe é sempre a mesma, desde que este consegue se lembrar. Bem cedo, antes mesmo de o sol sair, andam os dois muito e muito, tanto que as perninhas de Pedro doem bastante. Mas ele não pede mais para aconchegar-se ao colo da mãe. Pedro pode ser apenas um garotinho, mas sabe que já está crescido, e que seu peso só vem acumular as dores da face sofrida da adorada mãe. Assim, ele se esforça para não reclamar e caminha com uma postura ereta, como um “homenzinho” – o que quer que isso queira dizer. Depois eles chegam até as montanhas malcheirosas e catam, catam, catam até o sol sumir de novo e ficar frio, aí eles voltam para casa.

Mas tem coisas que Pedro ainda não consegue entender. Por exemplo, ele acha que sabe bem o que é o amor. Afinal, quando a mãe diz que o ama e o beija no alto da cabeça, o calor que lhe invade o peito, bem, deve ser isso o tal de amor. Mas, ao mesmo tempo, ele fica confuso. Porque a mãe diz que ama o padrasto; e ele, a ela. Então por que ele bate na sua mãe até que o rosto fique roxo e a boca sangre? E por que ele, que ama tanto a mãe, nada mais consegue fazer que abraçar as próprias perninhas e chorar baixinho? Por acaso ele não devia protegê-la? Ele não é um “homenzinho”?

Pedro ainda é muito pequeno para entender algumas coisas – tem só cinco anos – mas já grande o suficiente para olhar para a mãe, depois da última luta com o padrasto, quando este sai com seus tesouros para vender e comprar bebida, enquanto fica a mãe esparramada no chão a chorar baixinho, e fazer a pergunta que o persegue: por quê? A mãe também o acha pequeno, seu querido bebê, mas já o considera grande o suficiente para responder à pergunta: porque não há para onde ir.

Isso faz com que Pedro pense, e pense, mas pense muito mesmo no que ele pode fazer com essa resposta. Afinal, ele é só um garotinho, mas já é grande o suficiente para entender o que é não ter para onde ir. E que as pessoas têm casas, não como o barraco onde vivem com o padrasto, mas aquelas bonitas e coloridas, como no desenho que assistira na “tevelisão” de um vizinho. Logo, se eles tivessem uma casa, eles teriam para onde ir. Mas como se consegue uma casa?

Resolveu mais uma vez perguntar à mãe que, sempre gentil com seu filho, apesar das agruras de sua vida, lhe explica que para isso é preciso dinheiro, assim como para comprar os doces da venda. Pedro já ganhou, muitas vezes, moedas do padrasto por ir buscar bebida no bar, e com estas comprou balas e pirulitos. Sim, ele ainda é muito pequeno, mas entende que é por causa desse tal de dinheiro que não tem brinquedos ou roupas bonitas como vê em algumas outras crianças quando vai com a mãe até o centro da cidade. E não será por isso também que o sorriso da mãe desponta tão pouco? Por falta das tais moedas?

Bom, Pedro já é grande o suficiente para entender algumas coisas, mas ainda é apenas um garotinho que quer muito ver a mãe sorrir. Por isso, passa a imaginar quantas moedinhas seriam necessárias para comprar a casa e, com ela, quem sabe um sorriso? Volta a perguntar à mãe e esta responde “Muitas, meu filho”. Mas quantas moedas serão muitas? Uma das suas mãos cheias bastaria? Não, uma casa por certo deve custar mais que isso, umas cinco ou seis mãos cheias, isso sim!

Logo, Pedro decide começar a juntar suas moedinhas para poder comprar, em segredo, uma casa para ele e a mãe morarem, para que possa fazer-lhe uma grande surpresa. Além disso, Pedro é só um garotinho, mas já é grande o suficiente para saber que esse tipo de coisa deve ser feita escondida do padrasto – que leva todo o dinheiro, mas quase nunca aparece com comida, só garrafas e mais garrafas. Para escondê-las, Pedro encontrou uma lata, que enterra embaixo do barraco onde vivem, sob um tapete apodrecido. 

Pedro está tão feliz! Logo, logo vai poder mostrar para a mãe sua lata de moedinhas, estufar o peito com orgulho e lhe dizer quantos doces deixou de comer para economizá-las, a fim de que os dois pudessem ir embora e comprar uma casa só deles, sem o padrasto. Quem sabe até contar para ela o que o padrasto faz quando ela não está, ou não está vendo, embaixo do cobertor, que deixa uma coisa pegajosa no final. Pedro não gosta disso. É só um garotinho, mas grande o suficiente para entender que isso não é uma brincadeira muito legal, por isso que o padrasto sempre lhe diz que ele nunca, nunca, NUNCA pode contar para a mãe.

Mas não tem problemas, nem isso mais o incomoda. Agora, todas as noites, sonha com a casa que vai comprar para a mãe, de um, não, de dois andares, com um banheiro, um quarto só para ele, cheio de brinquedos e, quem sabe, até uma “tevelisão”? Seu pote de moedas já está bem cheinho, quase até a borda, e com certeza poderá comprar todas estas coisas e muitas outras mais. Pensando assim, resolve, numa tarde, ir conferir como está seu tesouro. Embevecido, contemplando o fruto de seu esforço e repassando na mente todos os planos que construíra, não vê a sombra do padrasto que se aproxima por trás e o surpreende antes que possa esconder seu bem mais precioso.

Pedro pode ser apenas um garotinho, mas já é grande o suficiente para entender a cobiça estampada nos olhos do padrasto, e que fim tomarão seus mais ternos sonhos. Mas também é apenas um pobre garotinho e, com lágrimas nos olhos, roga ao padrasto que lhe devolva seu dinheiro, para que ele e sua mãe possam ir embora e não sejam mais o grande peso na vida do padrasto, coisa da qual ele sempre reclama. E é por ser só um garotinho, que dói muito quando o padrasto, em seu sorriso que é muito diferente do sorriso da mãe, diz que seria preciso juntar moedas numa quantia que enchesse o barraco onde moram, para comprar uma casa, e que, mesmo assim, não seria o suficiente. E, infelizmente, Pedro já é crescido o bastante para entender o que o padrasto diz, e que este está dizendo a verdade, enquanto sopesa sua latinha na mão, calculando quantas garrafas conseguirá comprar.

Depois de levar um tapa no lado da cabeça, dois chutes no estômago e ver o padrasto afastar-se, provavelmente rumo ao bar, Pedro entra em casa e deita no colchão que ocupa no canto do quarto da mãe, para chorar. Ele pode ser apenas um garotinho – sim ele tem somente cinco anos – mas agora ele já é grande o suficiente para entender uma coisa muito importante: os sonhos não valem a pena.

Comporá o livro "Sangue na lua e outros contos"
Pág. do livro www.facebook.com/sanguenalua


12 janeiro, 2015

Desafio Literário 2015

Recebi por whatsapp, em algumas horas era só o que se comentava nos grupos e páginas literárias: Desafio 2015. Para quem ainda não ouviu falar, é um desafio com 50 fases para serem cumpridas neste ano. Algumas um pouco mais difíceis, outras bem fáceis, mas a ideia principal é ampliar o olhar literário de cada leitor.


O desafio vai de um livro de não ficção até um romance clássico e um livro ganhador do prêmio Pulitzer. Para quem entrou na febre dos livros recentemente, é uma ótima opção de conhecer novos autores e tipos de leitura. Ler um HQ, por exemplo, não estava nos meus planos para 2015, agora com o desafio, já estou estudando uma história que possa me agradar.

Vi muitas pessoas com dúvidas de quais são as regras, o que vale, o que não vale e se um livro pode se encaixar em mais de um desafio. A verdade é que a única regra é ser um livro lido em 2015. Você pode adaptar o desafio à sua realidade e criar as regras que quiser. Esse é o seu desafio 2015, acrescente novas fases. Coloque na lista livros sobre política, sobre outras religiões, acrescente ler aquele livro que você jamais imaginou que leria. Sabe aquele com mais de mil páginas? Coloque!

Comece 2015 criando as suas regras, leia o que quiser, leia o que está na estante, leia o que está na moda. O verdadeiro desafio 2015 não é o que está escrito nessa imagem, o Desafio 2015 é se superar.



Um brinde à superação!

09 janeiro, 2015

A busca do soldado solitário

O soldado solitário
Marcha na escuridão
Construindo seu quartel
Com pedaços de papel
Na palma da sua mão

O soldado tem patente
De soldado contente
Mas em seu coração
Sua dor é descendente
De um erro indecente
Custoso à prestação

O soldado na floresta
Não consegue ver o céu
Só consegue ver o chão
E agora o que lhe resta
É colar na sua testa
Um pedido de perdão

O soldado, o soldado
De falsa devoção
Faz o bem para os outros
Faz o mal para poucos
Para conseguir perdão

Soldado, soldado
Sou dado à solidão
Só espero a solução
E não serei mais solitário
Não serei mais solidário
Saberei me dar perdão

(Wlange Keindé)

07 janeiro, 2015

Contratando um serviço editorial longe de arrependimentos


Para quem está dentro do mundo editorial e publicando de maneira independente, é natural que em algum momento do processo escrever-editar-publicar você acabará esbarrando na necessidade e contratar um profissional para realizar tal trabalho para o seu livro; seja capa, diagramação, revisão ou até mesmo assessoria de marketing, em algum momento você precisará de alguma dessas pessoas. Ao menos, é claro, que você tenha um profundo conhecimento em todas as áreas do setor editorial (que é o que a maioria acaba procurando).

06 janeiro, 2015

Os Sem Nome



Era noite, mas não estava escuro. A lua cobria com seu manto prateado as planícies desertas por onde Ela caminhava. Sozinha. Sempre sozinha, desde que lembrava. Porque o Antes, não existia. Ela era Ela, A-Garota-Sem-Nome (Larissa era um som que Ela lembrava, mas que sumia da mente no mesmo átimo de segundo em que era evocado). E vagava sem objetivo, por noites e mais noites desde que acordara, há muito tempo atrás, em meio a um mundo de caos sem fim. Nele, havia Ela, que era como os outros Sem-Nome, e os Outros, que andavam em bando e tinham aquele cheiro peculiar (Medo, alguma coisa em sua mente lhe dizia que era cheiro de Medo). Mas essa era só mais uma das inúmeras palavras que, hoje, nada significavam para Ela.

Nesse Novo Mundo dividido, enquanto os Sem-Nome vagavam pela noite, os Outros criavam tocas de madeira e se escondiam dentro (casas, eles construíam casas, pequena Larissa) e tinham sempre aquele cheiro quando ela e os Sem-Nome rondavam por perto. Também, pudera, os Sem-nome frequentemente atacavam os Outros, quando os encontravam. Porque os Outros não tinham só aquele cheiro (de Medo, uma voz que já fora conhecida dizia) mas eles também representavam algo precioso nesse Novo Mundo – que ela não sabia que era Novo, pois não tinha história, e nada sabia do tempo de Antes. Os Outros também tinham cheiro daquilo em que a boca salivava (comida, sim eles eram comida, carne, músculos, tendões, dava vontade de mordê-los, mastigá-los), mas Ela nunca os procurava, porque era algo ruim (errado, errado, pequena Larissa, feio, feio, não pode).

Assim, ela vagava à noite em busca de suas presas, as poucas que sobraram num mundo devastado – pelo quê? Ela não sabia. Talvez, ninguém mais soubesse, livros e bibliotecas eram coisas que não mais existiam no Novo Mundo. Era provável que ninguém mais soubesse ler, ou o que significava esta palavra. Só sabiam sobreviver – aos Sem-Nome e aos predadores também modificados geneticamente, que agora rondavam suas cidades e acampamentos improvisados, atacando tanto e tão ferozmente quanto os primeiros.

A-Garota-Sem-Nome, às vezes, sente saudade – não sabe bem do que, nem que é esse o nome que se dá à dor que sente em seu quase translúcido peito. Sem saber, sente falta dos tempos de Antes, apesar de não lembrar-se de nada destes, tão longínquos estão. De dia, quando dorme, vê imagens que não entende, ouve sons há muito tempo perdidos, uma voz (a mesma que se zanga e a chama de má quando fareja os Outros e a boca saliva) que não encontra mais ao seu redor, pois desaparece sempre que acorda.

Só ouve o vento que farfalha, as chuvas, o rastejar dos pequenos sobreviventes neste Novo Mundo árido, a aproximação dos outros Sem-nome (de quem foge, pois estes também atacam outros Sem-nome quando a fome é muita) e o barulho do seu coração, quando se esconde ao nascer de cada dia.

A-Garota-Sem-Nome, assim como todos os Sem-nomes, não sobreviveria ao nascer do sol. Não porque ela seja alguma espécie de vampiro, bebedora de sangue com garras e dentes enormes. Ela é só mais uma das vítimas do vírus, um vírus letal que quase dizimou a vida sobre o planeta. Apenas uma das que conseguiu combatê-lo do organismo após ingerir uma vacina experimental do governo, para tornar-se isso, um ser errante, sem memória e sem controle, com os sentidos extremamente desenvolvidos e com uma sensibilidade altíssima aos raios do sol.

Não, o sol não mataria A-Garota-Sem-Nome (antes Larissa) nem aos outros Sem-Nome. Mas com certeza os enlouqueceria. Porque era muito forte. E porque seus novos olhos, que surgiram após a ingestão da vacina experimental criada pelo governo, e agora se encontravam logo acima das sobrancelhas, não tinham pálpebras.

A-Garota-Sem-Nome, que vagava desde Sempre, naquela noite se sentia estranha (Ela estava cansada, muito cansada, mas não tinha palavras guardadas em sua cabeça para saber o que era sentir). E passava muito mais perto do que deveria dos lugares onde os Outros dormiam. Bom, não todos, sempre havia sentinelas para defender a colônia dos Anormais, como os Outros chamavam os Sem-Nome.

Mas, naquela noite, havia algo diferente. Um som doce e triste enchia o ar. E parecia chamar A-Garota-Sem-nome, um dia Larissa, que passou a se aproximar mais do que deveria de uma das colônias de sobreviventes ao vírus, por eles chamado de Maldição. O som nada mais era que o canto de uma mãe, dilacerada pela dor da perda de sua filhinha, repetindo sem cessar uma antiga cantiga de ninar. A mesma que a mãe de Larissa cantara um dia para ela, no tempo de Antes, quando ela ainda era apenas uma garotinha que ia à escola, brincava com as vizinhas e tomava sorvete quando estava calor.

A mãe, sofrida, vê A-Garota-Sem-Nome se aproximar e, talvez pela dor imensa que vem sentindo, não consegue ver uma Anormal. Vê uma garotinha suja e faminta, que vaga sozinha à noite e tem estampado no olhar a súplica que via nos olhos de sua filha quando esta ansiava por aninhar-se em seus braços, após um momento de dificuldade.

A mãe, ainda cantando, estende os braços, como a chamar a menininha para vir aplacar sua saudade ou, quem sabe, acabar com sua dor com seu beijo da morte. E a menininha que, apenas por um instante, lembra que é Larissa e que está com saudade de sua mãe, caminha diretamente para os braços estendidos, mesmo estando ela tão próxima dos limites de um dos abrigos. E, por um breve instante, os olhares – dois olhos normais da mãe, três disformes e aberrantes na menininha – se cruzam, e há um reconhecimento recíproco dos sentimentos que as aproxima.

E então se ouve o tiro. A-Garota-Que-Um-Dia-Foi-Larissa tomba para frente, no instante em que sua pequena boca começava a retorcer-se em um sorriso. A mãe grita e sente o retorno de sua dor, como se estivesse mais uma vez a ver sua filha a ser retirada de seus braços amorosos. O soldado, nada mais que um menino crescido, sacode-a e a chama de maluca. Por que deixou A Coisa se aproximar tanto? Será que ela queria morrer?

A mãe até tenta explicar ao soldado e depois a outros, o reconhecimento que, por instantes, sentiu existir entre ela e a menininha. Mas todos na colônia a ignoram. Afinal, todos sabem que os Anormais não pensam nem sentem, apenas matam, por isso devem sempre ser mortos antes que ataquem. Sempre foi assim e sempre será. Porque a colônia nada sabe sobre o vírus. Porque os que Larissa chamava de os Outros eram também, como ela e os Sem-Nome, um povo sem história. 

A mãe continuou sem filha e, agora, sem credibilidade. Por isso, quando um dia acordaram e ela não estava mais lá, tinha pegado suas poucas coisas e sumido no deserto, ninguém estranhou. Para todos, ela tinha enlouquecido. E os Sem-Nome continuaram a ser mortos sempre que se aproximavam da colônia, porque exatamente assim que as coisas eram e sempre seriam.

Compõe o livro "Sangue na lua e outros contos"
Pág. do livro www.facebook.com/sanguenalua


05 janeiro, 2015

Guardar ou repassar?





Desde que decidi entrar em grupos de leitura no Facebook, percebi um grande impasse entre os leitores: Guardar ou passar para frente? Existem pessoas que defendem fervorosamente o repasse de livros para escola, outros leitores ou bibliotecas, mas do outro lado, há também quem não abra mão de se orgulhar da imensa estante de livros. Pessoalmente, gosto de ter meus livros organizados e guardados. Gosto de tê-los ali para quando eu quiser, dar uma zapeada pelas páginas e relembrar a boa história. 

Existem os dois lados na moeda e ambos têm argumentos válidos. Afinal, quantas vezes você pegou o livro para ler de novo? Ele será mais útil se você passa-lo para outra pessoa. Mas em contrapartida, eu comprei o livro, gosto de tê-lo na minha estante, esse é o meu hobby. Soa um pouco egoísta falando assim, mas é um direito do leitor e eu respeito.  

Acho bonito essa ideia de disseminar a leitura e tornar livros acessíveis para todos, alguns livros que não gostei tanto assim eu troco em feira de livros ou dou para a alguém.  Mas os meus queridinhos ficam guardados e ninguém mexe. Dôo roupas, aparelhos eletrônicos e moveis, mas livros não. É a única coisa que gasto bastante dinheiro e que sinto orgulho de ter e acredito que muitos pensam assim.

O outro lado da história é que há cidades que não têm bibliotecas, e as que têm, o acervo é limitado. Isso deveria ser problema do Governo, é claro. Só que enquanto o governo não toma uma medida, milhares de pessoas estão deixando de conhecer e apreciar a literatura. Se você pode ajudar, por que não?  

Já ouvi diversas histórias e desculpas para guardar ou repassar livros. Cheguei à conclusão que cada um deve fazer o que faz bem. Seja doar os livros ou guarda-los em uma gaveta a sete chaves. Não há fórmulas ou regras, o importante é ler e respeitar os outros.

Se você deseja doar livros, procure uma escola ou uma biblioteca. Para os moradores de São Paulo, acesse esse  link com as informações de como proceder.

Guarde ou repasse, mas seja feliz!

Um brinde aos livros!

03 janeiro, 2015

A Lenda de Kum -- 6




CAPÍTULO SEIS

A Lenda de Kum


Kum não falou nada, apenas aproximou-se de Pierson e tocou-lhe no rosto com a ponta da unha negra. Os olhos de Kum acenderam em chamas avermelhadas. O fogo atingiu o olhar de Pierson, que pareceu estar em transe.

02 janeiro, 2015

Ao mais alto mistério faço meu pedido

Amor meu, tua história foi perdão
A todos sem pedir em troca nada;
Tu não tens a justiça como errada,
Pois não tens maculado o coração.

Se és mais forte, bem fico aliviada;
Ainda sim, procuro explicação:
Como pode a pureza ter-te são?
Fazes tu ao ludíbrio esta calada,

Ou realmente tu não te incomodas?
Acho eu poder dizer então que és
Mais alto do que toda a humanidade.

Amor meu, estou eu em tuas bordas;
Ao pedir, ajoelho-me aos teus pés:
Ensina-me, então, da tua verdade.

(Wlange Keindé)

01 janeiro, 2015

Obstinação

...Todos em volta da mesa se viraram para ela a fim de ouvir melhor os sussurros dos viajantes, e com um estalido no canto da boca, um dos forasteiros pôs-se a falar.
- Ouvi rumores de que ela está na cidade - Disse o mais velho deles.
Um vento leve ameaçou apagar as velas, e a mesma que estava em cima da mesa por sorte, teve sua chama protegida.
- Pois bem vamos atrás dela, estamos aqui para isso. Não estamos? - Disse o elfo enquanto apontava para a cicatriz de seu companheiro na tentativa de lembra-lo qual era seu objetivo.
- Ou podemos esperar - Uma tosse foi-se ouvida no fundo da sala interrompendo por alguns segundos a conversa - Mas temos que tomar cuidado - Continuou - estamos sendo observados, e o silêncio desta noite é mera coincidência.