23 novembro, 2014

Alma Flamejante - Capítulo 2

Capítulo Dois
Dezesseis Anos
Enquanto dormia pacificamente, Zyi teve um sonho diferente de todos os outros de sua vida. Este se mostrara realista e dava uma sensação ao jovem de que ele estava realmente vivendo aquilo.
Estava em uma montanha alta, de onde podia ver muitas outras, e o verde era predominante. Isso acontecia por causa da flora do lugar, mas ao olhar para cima, via que o topo era inteiramente coberto da mais branca neve.
Havia poucas nuvens no céu. Quase não tinha pássaros, resultado da grande altitude em que se encontrava. A montanha estava coberta com grama, curta e verde, havendo pouquíssimas árvores.
Zyi estava caminhando na direção do topo da montanha. Estava ficando cada vez mais frio, mas não sentia qualquer desejo de parar, mesmo sabendo que podia congelar quando alcançasse o pico.
Enquanto Zyi caminhava, a grama foi desaparecendo lentamente e sendo sobreposta por um amarronzado de terra seca e, então, a terra seca foi tornando-se cada vez mais predominante até que dominava o chão pisado por Zyi. Aos poucos, essa terra seca ganhou traços brancos e, rapidamente, já estava inteiramente coberta por uma espessa camada de neve.
Zyi estava vestindo uma camisa e uma calça vermelhas e podia ver um símbolo de fogo na primeira. A roupa tão leve era quase que uma agressão contra si mesmo no frio que estremecia até o mais aquecido dos animais.
Zyi tentava persistir, não ia desistir. A brisa da montanha estava tocando a sua face, era como ser abraçado por gelo... Ele estava quase congelando, e o vento incessante continuava o mantendo extremamente frio. Ele não podia ver ninguém ao seu redor e não podia falar, sua boca estava gélida.
De repente, ouviu passos; viu pegadas na neve e tentou segui-las. Ele andou pela neve, dando o seu melhor para continuar escutando o som de passos que acabara de ouvir. Zyi sentia o ressoar de sua respiração nas profundezas de seu pulmão causado pelo esforço daquele instante, mas não recuou.
– Ei! – tentou gritar, mas a sua voz era fraca e quase impossível de ser ouvida, no entanto, o som parou e começou a tornar-se mais intenso, como se elas se movessem em sua direção.
Zyi podia ver um homem se aproximando; ele estava usando um casaco azul, calças de frio da mesma cor, óculos, luvas, e um capuz. Ele olhou em seus olhos e disse:
– Olá! Ninguém me visitou desde o começo da guerra... – Zyi não conseguiu distinguir o rosto do homem diante dele.
– Bem, você não mora em um lugar que valha a pena visitar... – respondeu o jovem vestido de vermelho de forma descontraída, bem-humorada.
– No entanto, você está aqui... – ele riu de leve – O que quer de mim, Fênix? – o homem falou isso com mais seriedade.
– Artias, você sabe que essa guerra foi causada por ela, não sabe? – pontuou quem aparentava ser o Zyi, mas que estava sendo chamado de Fênix.
– Claro que sei – afirmou categoricamente – Ela não vai parar até conseguir o que ela quer – suspirou Artias – E ela deve ter algum plano para se livrar de nós.
– É – confirmou Zyi – Mas o que vamos fazer agora? – ele suspirou. – Sinto que essa situação toda está nos deixando com as mãos nas costas, já pensei em tantas coisas, mas não consigo chegar a qualquer conclusão...
– Eu tenho um plano, na verdade, um bom plano... – Antes que Artias pudesse concluir o seu raciocínio, Zyi acordou devido a gritos partindo de uma voz familiar feminina... Ela estava ali para acordá-lo.
– Zyi! Acorda! – Karin estava sentada na cama dele com um largo sorriso em seu rosto. Seus olhos azul-safira brilhavam com a luz que vinha da janela e uma mecha de seus longos cabelos dourados estava caprichosamente passando por cima do ombro com as pontas repousando sobre o seu seio esquerdo.
– Karin! – Zyi tomou um susto, sentando-se imediatamente em sua cama – O que você está fazendo aqui? – ele olhou para os lados e esfregou os olhos. Logo em seguida, se espreguiçou e descansou suas mãos sobre as suas pernas.
– Feliz aniversário! – disse animadamente a amiga – Que Deus te abençoe e ilumine sempre! – ela sorriu intensamente.
– Obrigado! – disse Zyi desajeitado – Fico feliz que você tenha se lembrado. – ele sorriu.
– Imagina! – respondeu ela – Amigos lembram-se dos aniversários uns dos outros.
– Mudando de assunto – disse Zyi ainda sem graça – Desculpa por ter ido embora ontem, eu devia ter ficado lá com você...
– Sem problema! – ela sorriu – Meu irmão disse coisas horríveis, eu não teria ficado se fosse você. – Karin franziu a testa – A vontade que eu tenho é de explodir o Subaru quando ele diz essas coisas! – ela estava com o punho direito cerrado enquanto falava.
– Calma – sorriu Zyi – Bem, hoje é segunda, não é? – disse tentando mudar de assunto mais uma vez.
– Não, é domingo! – ela gargalhou – Você está ficando louco com suas aulas de espada, elas só são de segunda a sexta e você pode descansar hoje! – disse ela comentando sobre as aulas de kendo que Zyi fazia com seu mestre, Ghan, todos os dias da semana, exceto aos sábados e domingos.
– Bem, eu acho que sim... – ele sorriu e decidiu comentar o sonho que acabara de ter com sua amiga para ver se ela tinha alguma opinião interessante acerca daquele tópico.
– Nunca ouvi falar de nenhum Fênix ou Artias... – essa era uma das coisas que Zyi definitivamente não queria ouvir, ainda mais porque isso se repetia com ele.
– Na verdade, eu era o tal de Fênix, e eu estava vestindo uma camisa e uma calça numa montanha! – disse gesticulando com os braços – Eu deveria ter morrido congelado, e não ter desenvolvido uma conversa daquelas!
– Cara, isso foi besteira, esqueça... – disse Karin sem demonstrar muita animação com o sonho do seu amigo.
– Pode ser que você esteja certa, eu preciso descansar um pouco. – ele riu e deixou seu corpo cair para trás, fazendo com que sua cabeça parasse com uma pancada no travesseiro.
De repente, Karin olhou para Zyi, esperou um pouco para escolher suas palavras e disse:
– É, você precisa... – disse rindo bastante – Você não vai sair comigo desse jeito, vai tomar um banho e trocar de roupa! – ela falou com o tom de voz mais mandão que ela conseguiu simular.
– E eu vou simplesmente deixá-la aqui esperando? – disse constrangido, pois seu espírito de cavalheirismo o importunava nesses momentos.
– Eu vou observar a vista da janela! Você sabe que eu amo essa paisagem! – ela sorriu.
– Está bem, eu não vou demorar. – ele sorriu.
– Tudo bem – respondeu Karin. Então, Zyi pegou algumas roupas no seu guarda-roupa e entrou no banheiro com um pouco de pressa.
Alguns minutos depois, ele terminou o banho, e saiu do banheiro com a roupa trocada. Então disse:
– Estou pronto!
– Ótimo, nós vamos para o Charles’s Place, tudo bem? – perguntou Karin com o cotovelo flexionado e o dedo indicador apontando para cima, como se ela estivesse acabado de chegar àquela conclusão.
Charles’s Place era um velho restaurante local onde todos costumavam freqüentar para tomar um drinque ou comprar alguma comida, adolescentes gostavam de comprar sanduíches de carne lá. A popularidade se dava pela qualidade do serviço e também pela falta de concorrência, já que não havia qualquer outra taverna dentro do Vilarejo da Pena.
– Está bom para mim – respondeu Zyi sem pestanejar, afinal ele era um dos clientes mais assíduos daquele lugar.
Zyi optou por trajar um quimono azul com um enorme ideograma nas costas. Para calçar, optou por guetas.
Karin estava trajando um vestido verde ornamentado com pequenos círculos brilhantes e calçando um salto-alto da mesma cor. Os seus olhos azuis estavam brilhando, ela estava radiante! A impressão que dava era que ia para uma festa de casamento. Ao perceber aquilo, o que havia passado totalmente em branco por causa do sono que ele estava sentindo quando se levantou, Zyi acabou por trocar de roupa mais uma vez.
Desta vez, ele colocou um terno preto com a gravata vermelha. Ele procurou o sapato mais elegante que tinha para que pudesse então estar à altura da sua acompanhante.
Eles deixaram a casa de Zyi e andaram por toda a Rua do Dragão, então seguiram para a praça central. O caminho deles foi muito calmo, já que ninguém estava andando por ali ou qualquer outro lugar que eles puderam avistar. A própria praça, lugar mais movimentado do vilarejo, estava completamente vazia!
O som dos pássaros estava ecoando lá e Zyi parou um pouco apenas para ouvir. Era uma delicada canção que tocava o coração. Era um som cordial que ressoava divinamente.
As árvores estavam tão silenciosas quanto àquela manhã, já que não havia uma brisa capaz de agitar as folhas dela. Entretanto, silêncio não significa ausência de beleza. As folhas estavam todas esverdeadas, o verão, que estava terminando, ainda mantinha aquelas folhas num tom completamente antônimo ao do outono.
Eles atravessaram a rua que ligava as outras à praça e entraram na Rua do Kenney. Essa era parecida com a Rua do Dragão: casas tinham aparência bem simples, feitas de madeira e não eram muito grandes. Havia algumas lojas e uma delas fatalmente era o Charles’s place.
Eles andaram pela rua até que alcançaram o lugar onde queriam chegar. O Charles’s place era uma casa de dois andares totalmente feita de madeira, pintada com tinta branca, janelas circulares em cima e em baixo. Ele tinha o seguinte anúncio em uma pequena placa fincada no chão do lado de fora: “Coma no Charles’s, Esteja no paraíso!”.
Zyi abriu a porta lentamente e olhou dentro do restaurante. Então, ouviu um enorme coro de gritos ensurdecedores: “Surpresa!”.
Ele quase desmaiou quando viu boa parte da população do vilarejo dentro daquele restaurante. Até mesmo o Mestre Ghan estava lá! Cada pessoa ali era conhecida do Zyi por algum meio e a presença delas naquele restaurante para prestigiá-lo explicava o fato de o vilarejo estar tão esvaziado numa manhã ensolarada e bonita como aquela.
Mestre Ghan era o professor de kendo do Zyi. Ele foi um espadachim por toda a sua vida e agora ele passava o que havia aprendido para iniciantes. Ele era muito gentil e simpático, mas, também, era muito sério. Ninguém podia, por exemplo, fazer piadas em suas aulas e, se desrespeitassem as regras impostas, eram punidos imediata e severamente.
O passado de Ghan era um mistério infindável, pois ele não contava a quem quer que fosse qualquer coisa sobre ele, exceto o fato de que havia sido um samurai. Suspeitas maldosas eram levantadas freqüentemente entre os moradores da vila sobre a índole de Ghan e alguns, inclusive, diziam que ele tinha alguma ligação com o Império Gorgonite, algo que irritava Zyi profundamente, já que tinha muito carinho pela pessoa do seu mestre.
Observando o ambiente, Zyi logo percebeu que Subaru não estava lá. Não que o pequeno irmão da Karin fosse uma ausência sentida, mas o aniversariante do dia não gostava de alimentar inimizades e, por isso, estava sempre aberto a perdoar e criar bons relacionamentos. A falta de Subaru era mais um sinal de que ele não estava disposto a qualquer tipo de reconciliação.
– Parabéns, Zyi! – disse uma menina timidamente. Quando Zyi olhou, ele sorriu bastante: Aya estava lá! Ela era uma garota que Zyi encontrara abandonada na rua e, como estava muito ferida, levou-a para casa para poder cuidar dela e, quando se recuperou, ele conseguiu encontrar uma família para adotá-la. Mesmo depois disso, eles nunca deixaram de se ver, pois laços muito fortes foram criados entre os dois. A amizade entre eles era tão grande que ambos confidenciavam muitos segredos um ao outro e eles se chamavam entre si muitas vezes de irmão e irmã.
Aya tinha longos cabelos lisos e pretos, olhos puxados e escuros, lábios finos e sutis e sobrancelhas finas e grandes. Ela era magra e tinha movimentos muito delicados, o que acentuavam a beleza suave que ostentava.
Após a ajuda de Zyi, Aya passou a integrar a família Prince. Desde então, tratava-se de Aya Prince, parte da nobreza do Vilarejo da Pena. Ela tinha treze anos de idade e era muito inteligente e madura para a sua idade. O que, muitas vezes, fazia soar como se tivesse vivido o dobro do número real.
– Aya! Como você está? – perguntou Zyi animado por poder ver sua amiga, afinal, fazia alguns dias que os dois não tinham uma chance de se encontrar.
– Eu estou bem! – ela sorriu – Tenho uma novidade para você e para a Karin! – disse ela mantendo o tom de voz animado – Eu me tornei uma arqueira! – disse a alegre Aya.
De fato, Aya sempre gostou de Arco-e-Flecha, mas só alguns dias antes, ela havia conseguido um diploma. No Vilarejo da Pena, só era possível afirmar categoricamente o fato de ser um arqueiro após passar por um período extensivo de aulas, teóricas e práticas, diariamente.
– Sério? Legal! – ele olhou para ela e, então, para a Karin, que o estava acompanhando em silêncio até então – A Karin é muito boa em arco-e-flecha, talvez vocês possam praticar juntas – Zyi sorriu abertamente.
– Seria muito bom! – as duas disseram com sincronia perfeita e começaram a rir do fato logo em seguida.
– Como tem sido com a família Prince? – perguntou Zyi em tom de curiosidade e, mais que isso, vontade de saber como sua amiga estava passando.
– Eu sinto a falta de você e da Karin lá... Eles se preocupam muito comigo... – ela suspirou e, então, sorriu timidamente – Vocês deviam ir mais vezes lá para me visitar! – disse dando uma bronca em tom de brincadeira – Serão muito recebidos!
– Eu ando meio ocupado durante a semana, mas eu vou tentar no próximo fim de semana! – disse Zyi com o dedo indicador direito em sua bochecha ao tentar lembrar-se de seus próximos compromissos.
– Excelente! Obrigada! – ela deu um abraço apertado no Zyi com muita empolgação – Vou deixar você falar com todos. – Ela sorriu e andou na direção da Karin para iniciar uma conversa com ela, Zyi em resposta começou a conversar com as outras pessoas presentes naquela festa.
O Charles’s place normalmente tinha algumas mesas com três cadeiras cada e o balcão, onde as pessoas podiam pedir o que elas quisessem comer ou beber, mas naquele dia, havia apenas três mesas com cinco cadeiras cada e o resto do espaço tornou-se uma pista de dança.
O balcão estava cheio de comida de festa, como coxinhas e outros pratos. O bolo de aniversário ainda não havia chegado.
Várias pessoas estavam congratulando Zyi. Ele havia atingido a idade que representava a maioridade naquele lugar. Lá, os dezesseis anos representavam a mudança de um jovem para um adulto e isso trazia responsabilidades, mas também dava privilégios, como poder ajudar a escolher o futuro governador da cidade e o direito de se casar e ter filhos.
No Vilarejo da Pena, as pessoas estavam acostumadas a comemorar o aniversário de dezesseis anos de uma pessoa da manhã até meia-noite. Eles afirmavam que aquela era uma data de suma importância e que, por isso, devia ser devidamente comemorada. Além disso, havia os motivos religiosos: a mais tradicional no Vilarejo da Pena os orientava a agir daquela forma.
Eles jogaram muitos jogos como forma de distração aguardando que o momento principal chegasse: a dança. E, às sete horas, a música começou a tocar. Era uma doce valsa, o estilo musical mais tradicional daquele vilarejo. Não dançar valsa significava que a pessoa não tinha classe e acarretava, em muitos casos, em preconceito.
– Quer dançar comigo? – Zyi perguntou para Karin assim que a música começou e não tardou em ouvir a resposta dela.
– Claro! Eu adoraria! – disse Karin prontamente.
Zyi dançava muito bem. Ele se movia graciosamente pela pista de dança, era sublime. Karin também era uma boa dançarina, mas não tão boa como seu parceiro. Isso era explicável pelo contato que Zyi teve desde cedo com a música, o que não ocorreu com ela.
No Vilarejo da Pena, todos os nobres tinham aulas de valsa, muitas vezes com os próprios pais, desde os três anos de idade. A tradição era muito forte e se dava também por razões religiosas, já que aquela dança era utilizada em muitas cerimônias importantes.
Eles dançaram juntos por quase quatro horas e, então, Karin pediu para sentar-se um pouco. Ao contrário do Zyi, que parecia incansável, ela parecia estar completamente exausta após tantas músicas com longas durações.
Enquanto dançavam, Zyi e Karin mantiveram-se entreolhando o tempo inteiro, qualquer um que não os conhecesse previamente diria que eles estavam namorando. O fato é que isso já acontecia pelas costas deles, algo que não chegava a incomodá-los.
Karin, inclusive, muitas vezes se referia a Zyi como sendo algo próximo de um irmão, fato confirmado energicamente por Zyi, que afirmava repetidamente que Karin tratava-se de uma grande amiga. O único que se incomodava profundamente com aquela relação era Subaru, o irmão menor da Karin, mas ela não fazia questão de forçá-lo a mudar de comportamento, pois julgava que ele mudaria aos poucos. Mesmo assim, eventos como o que tinha acontecido na véspera a deixavam verdadeiramente chateada.
Karin sentou-se em uma cadeira perto do balcão e começou a observar as pessoas que estavam dançando. Havia muitas pessoas na pista de dança, mas ainda assim, era possível observar qualquer casal da posição onde Karin sentou-se.
Zyi chamou Aya para dançar e ela aceitou prontamente. Esta era fantástica! Ela dançava tão bem quanto o aniversariante e juntos formavam um grande par. Sem fazer grande esforço, Zyi e Aya eram os melhores dançando ali: eles não se moviam com a música, eles eram a música. Eram tão bons que, aos poucos, todos começaram a parar para observá-los.
A intimidade que já existia entre os dois também ajudava muito: Zyi ensinou Aya a dançar. Além disso, ambos eram pessoas extremamente finas, algo que era exigido deles por fazerem parte da nobreza daquela pequena vila.
Zyi dançou cerca de quarenta minutos com Aya e, então, pediu para parar porque queria fazer outra coisa. A amiga riu e concordou, pedindo para que fosse arrumar um lugar para sentar enquanto ela buscava algumas bebidas.
– Senti sua falta lá... – disse Zyi a Karin – Você cansa muito fácil – provocou em tom de brincadeira.
– Eu? – ela riu – A Aya é melhor que eu nisso, não é? – disse Karin – Mas ainda acho que vocês dois são assustadores! – ela olhou para amiga, que estava se aproximando deles com três copos de suco de uva – Vocês nunca cansam!
– O que você está insinuando? – perguntou Zyi rindo sozinho – Nós somos tão humanos como você, só não somos tão sedentários quanto!
– Engraçadinho... – disse Karin – Eu pratico arco-e-flecha sempre, está bem? – disse olhando para o outro lado para não começar a rir.
Naquele clima descontraído, Aya chegou e os três ficaram conversando sobre assuntos variados e rindo bastante. O tempo passou sem que sentissem e o trio tomou um susto quando o relógio mágico do bar marcou meia-noite.
A esse horário, o bolo de aniversário chegou. Ele tinha a forma de uma espada, clara alusão à atividade praticada por Zyi, o que o fez rir bastante, mas agradecer a todos, e o sabor era chocolate com morango, o favorito do aniversariante. Os convidados cantaram a tradicional música de aniversário e, então, todos comeram o bolo.
– Zyi, venha cá, por favor! – gritou alguém de fora do Charles’s place.
Zyi atravessou o restaurante e a porta para ver a face do Mestre Ghan. Era um homem alto, de cabelos grisalhos, quase brancos, e de porte físico invejável para um homem daquela idade, que devia ser algo em torno dos sessenta. Ao se deparar com seu mestre, Zyi ficou surpreso, porque não tinha notado que ele havia saído de dentro do Charles’s Place. Isso foi expressado com um riso que passou despercebido por seu mestre.
– Mestre. – disse Zyi bastante intrigado por ter sido chamado de repente no meio de sua festa.
– Zyi, você já tem dezesseis anos. – ele iniciou o diálogo – Você é realmente forte e eu acho que não tenho nada mais de novo a ensinar-te – prosseguiu Mestre Ghan.
– Não diga isso, Mestre! – protestou Zyi – Você é um homem com muitos conhecimentos, tenho certeza que eu tenho muito a aprender! – Mestre Ghan riu.
– Zyi, você precisa sair em uma jornada – ele suspirou – Uma viagem muito árdua – parou – Você pode levar um grupo com você para te dar suporte, mas terá que exercer o papel de liderança. – o tom de voz era misterioso.
– O que eu devo fazer, Mestre? – questionou Zyi.
– Ir para a Cordilheira dos Dragões. – ele olhou para o horizonte – Lá, sua mente te guiará e você saberá exatamente o que fazer.
– Será que eu consigo, Mestre? – Zyi olhava incrédulo para Ghan diante da missão a ele designada. Não era apenas uma simples jornada a uma caverna nos arredores do Vilarejo da Pena, mas a Cordilheira dos Dragões, que ficava no outro extremo do continente. – Isso soa como um desafio quase insuperável.
– Você tem esse dever a ser cumprido, Zyi – afirmou Ghan – Não temas, pois eu conheço melhor que qualquer um o seu potencial e sei que você consegue – Zyi continuava receoso.
– Mas... – Zyi foi interrompido por seu mestre.
– Zyi, isso é uma ordem do seu mestre – Ghan foi firme – Você conhece o código, não?
– Eu não o desapontarei, Mestre. – disse Zyi – Mas, será que eu posso passar essa semana aqui? – ele pediu – Eu gostaria de passar um pouco mais de tempo nesse vilarejo antes de deixá-lo para trás. – concluiu.
– Você vai. – afirmou categoricamente o Mestre Ghan – Eu te darei suas últimas aulas e, então, você irá. – ele fez uma breve pausa e continuou – Você deve convidar pessoas para irem com você, viajar sozinho não vale a pena na sua idade. – Ghan parou e olhou para o Zyi diretamente nos olhos antes de continuar – Escolha bem, viajar com pessoas de quem não gosta não será uma boa experiência neste momento, o que não muda o fato de que a minha presença ao longo da sua jornada está confirmada.
– Eu escolherei bem, obrigado Mestre. – eles se despediram e, então, Ghan deixou o lugar sem falar com qualquer outra pessoa, dirigindo-se para sua casa.
Zyi entrou no Charles’s place de novo e foi para onde Karin estava sentada. Seguro com a situação, mas preocupado com a reação da amiga, ele falou sobre o que acabara de conversar com o Ghan para ela e ouviu a resposta que mais temia:
– Eu vou com você, não importa o que aconteça, eu vou com você! – Karin tinha bons motivos para não querer ficar no Vilarejo da Pena sem o Zyi lá: as outras pessoas a desprezavam. Ela havia quebrado a barreira entre plebe e nobreza e isto não era bem visto pela maior parte da população. Apenas Zyi e Aya, além do Subaru, mantinham relações sinceramente amigáveis com ela. Todas as outras só o faziam para não despertar a fúria do Zyi, que, apesar da idade, era verdadeiramente  influente no lugar.
– Vai ser perigoso, Karin! – disse Zyi numa tentativa frustrada de fazê-la voltar atrás.
– Eu disse que eu vou, não irei mudar de idéia. – Karin era intransigente quando tomava suas decisões.
– Está bem, então... – disse Zyi, ainda preocupado com a segurança de Karin, mas sem uma resposta convincente para convencê-la do contrário.
Zyi beijou a bochecha dela e disse:
– Eu estou indo para casa agora, vejo você amanhã – ele sorriu e ela o abraçou com muita força.
– Por favor, tome cuidado e não me deixe neste lugar – ela o olhou nos olhos.
– Você virá comigo, não se preocupe – disse Zyi – Mas pratique o arco-e-flecha com muita insistência ao longo de toda essa semana!
– Vou praticar! – sorriu Karin.

Zyi saiu dali e seguiu imediatamente para a sua residência. Ele foi para a cama sabendo que aquela era uma das últimas vezes que dormiria ali.