O amanhecer do
dia fez doer as pálpebras de Nohana. Demoradamente, ela arrastou-se para fora
de sua cama. Pesadamente, ainda trajando seu pijama, deslocou-se até a cozinha.
Inerte, comeu um pão com manteiga e bebeu um copo de água.
Assim que
terminou de comer, Nohana retornou ao seu quarto e trocou de roupa. No lugar de
seu pijama, ela colocou o uniforme da loja onde era vendedora. “Richard’s
Equipamentos Eletrônicos, um lugar incrível para trabalhar”, disse para si
mesma ironicamente.
Nohana vivia em
Hope, capital de Hopeland. O país onde vivia era o único em Aohi que não
conseguia sustentar o uso de magia. A Terra da Esperança, como era conhecido o
local, havia desenvolvido altos níveis de tecnologia para compensar a ausência.
Hope era situada
em uma planície, sendo próxima de um deserto e, por isso, tinha um clima
inconstante. A temperatura fria das primeiras horas da manhã atingiria níveis
consideráveis de calor pela metade do dia e, por isso, Nohana abriu mão de sair
de casa com um casaco.
No caminho para
o seu trabalho, ela não reparou nas pessoas que cruzaram seu caminho. Poderiam
ter sido cem ou mil, não importava. Um
dia é sempre igual ao outro, pensou a vendedora.
Após algo em
torno de vinte minutos, Nohana chegou ao trabalho. Desanimadamente, ela
destrancou a Richard’s Equipamentos Eletrônicos e entrou. A loja só abriria
para o público uma hora depois, mas a vendedora sempre chegava mais cedo, pois,
talvez por perfeccionismo, sentia a necessidade de organizar as prateleiras, limpar
qualquer coisa que estivesse suja e escolher as músicas que seriam tocadas no
som ambiente ao longo do dia.
Os minutos
passaram e seus colegas de trabalho chegaram. Pouco tempo depois, a loja abriu.
Na Terra da
Esperança, o dia transcorria como todos os outros. Fingindo animação, ela
vendia produtos diversos enquanto contava os segundos para o horário de almoço.
“Hoje nós vamos comer naquela lanchonete nova, você vem com a gente, Nohana?”
chamou Elle, uma de suas colegas de trabalho. “Claro”, respondeu a vendedora
sem pensar muito.
Quando,
finalmente, a hora de almoçar chegou, Nohana, Elle e Illan, os três únicos
vendedores que trabalhariam naquele dia na Richard’s, seguiram para a Sonho de
Hambúrguer, uma lanchonete que vendia sanduíches variados. Lá, encontraram o
lugar ainda sem filas.
“Ainda bem que
viemos correndo pra cá!” comentou Illan.
“Verdade”,
respondeu Elle.
“Vamos pedir
logo, antes que as pessoas comecem a chegar!” finalizou o único homem do grupo.
Nohana deixou
seus colegas pedirem primeiro enquanto decidia qual seria o seu pedido. Tudo aí faz mal, pensou. Acabou optando
por um sanduíche pequeno, pois ela queria se manter em forma. Já me exercito pouco, não posso exagerar...
Não é como se nós tivéssemos magia por aqui.
Enquanto comiam,
Illan, Elle e Nohana conversaram sobre a manhã de trabalho. Riram de alguns
clientes, comentaram sobre um computador específico que vinha dando problemas
constantemente e falaram sobre um mouse que vinha sendo vendido aos montes.
“E os namorados,
Nohana?” riu Elle. “Alguma novidade?”
“Nenhuma...” a
moça suspirou. “O último que eu arrumei era um desses aventureiros”.
“Como assim?”
“O menino era
lindo e tal”, começou Nohana. “Ele era alto, tinha a pele morena de dar inveja,
os olhos pretinhos que nem ônix!”
“Até aí tudo
bem, mas e aí?”
“E aí que ele
quis abandonar Hopeland”, os olhos da jovem foram para o alto, sua cabeça
segura pelos braços apoiados na mesa e expressão de desgosto escrita em sua
face. “Ele quis conhecer magia”.
“A realidade na
Terra da Esperança não é tão esperançosa assim, não é?”
“Não, mas eu não
ia achar ruim encontrar um cara que gostasse de mim e topasse não sair do
continente”.
Juntos, os três,
que já haviam pago pela comida antecipadamente, voltaram para o trabalho. O
Sonho de Hambúrguer já estava lotado quando saíram, fazendo com que Illan
voltasse a comentar: “Ainda bem que viemos correndo pra cá”.
A tarde passou
rapidamente. Nohana estava em um dia produtivo e, com isso, passou pouco tempo
parada. Quando finalmente deu a hora de sair do trabalho, ela se deu por
satisfeita, se despediu dos colegas e voltou para casa.
Ao chegar, foi
direto para o seu quarto trocar de roupa. Queria vestir algo mais casual. Em
seguida, foi para o sofá da sala de estar, ligou a televisão e ficou olhando o
tempo passar enquanto demonstrações de magia, transmitidas a partir da
longínqua cidade anã de Moradin, eram feitas por elfos magos, aparentemente,
ciganos. Não é à toa que as pessoas
acabam indo embora daqui.
Nohana mudou de
canal e se demorou no sofá enquanto o noticiário afirmava que, mais uma vez,
uma pesquisa científica falhara ao tentar compreender o porquê da ausência de
magia em Hopeland. Vou assistir essa
notícia todos os dias até o fim da minha vida.
A vendedora,
então, sentiu um pouco de dor de cabeça. Vou
tomar um remédio, comer e dormir. E assim ela fez. O dia se encerrou assim
como começou: com a promessa do sol nascer de novo na Terra da Esperança.