17 novembro, 2014

O dia de Nohana

O amanhecer do dia fez doer as pálpebras de Nohana. Demoradamente, ela arrastou-se para fora de sua cama. Pesadamente, ainda trajando seu pijama, deslocou-se até a cozinha. Inerte, comeu um pão com manteiga e bebeu um copo de água.
Assim que terminou de comer, Nohana retornou ao seu quarto e trocou de roupa. No lugar de seu pijama, ela colocou o uniforme da loja onde era vendedora. “Richard’s Equipamentos Eletrônicos, um lugar incrível para trabalhar”, disse para si mesma ironicamente.
Nohana vivia em Hope, capital de Hopeland. O país onde vivia era o único em Aohi que não conseguia sustentar o uso de magia. A Terra da Esperança, como era conhecido o local, havia desenvolvido altos níveis de tecnologia para compensar a ausência.
Hope era situada em uma planície, sendo próxima de um deserto e, por isso, tinha um clima inconstante. A temperatura fria das primeiras horas da manhã atingiria níveis consideráveis de calor pela metade do dia e, por isso, Nohana abriu mão de sair de casa com um casaco.
No caminho para o seu trabalho, ela não reparou nas pessoas que cruzaram seu caminho. Poderiam ter sido cem ou mil, não importava. Um dia é sempre igual ao outro, pensou a vendedora.
Após algo em torno de vinte minutos, Nohana chegou ao trabalho. Desanimadamente, ela destrancou a Richard’s Equipamentos Eletrônicos e entrou. A loja só abriria para o público uma hora depois, mas a vendedora sempre chegava mais cedo, pois, talvez por perfeccionismo, sentia a necessidade de organizar as prateleiras, limpar qualquer coisa que estivesse suja e escolher as músicas que seriam tocadas no som ambiente ao longo do dia.
Os minutos passaram e seus colegas de trabalho chegaram. Pouco tempo depois, a loja abriu.
Na Terra da Esperança, o dia transcorria como todos os outros. Fingindo animação, ela vendia produtos diversos enquanto contava os segundos para o horário de almoço. “Hoje nós vamos comer naquela lanchonete nova, você vem com a gente, Nohana?” chamou Elle, uma de suas colegas de trabalho. “Claro”, respondeu a vendedora sem pensar muito.
Quando, finalmente, a hora de almoçar chegou, Nohana, Elle e Illan, os três únicos vendedores que trabalhariam naquele dia na Richard’s, seguiram para a Sonho de Hambúrguer, uma lanchonete que vendia sanduíches variados. Lá, encontraram o lugar ainda sem filas.
“Ainda bem que viemos correndo pra cá!” comentou Illan.
“Verdade”, respondeu Elle.
“Vamos pedir logo, antes que as pessoas comecem a chegar!” finalizou o único homem do grupo.
Nohana deixou seus colegas pedirem primeiro enquanto decidia qual seria o seu pedido. Tudo aí faz mal, pensou. Acabou optando por um sanduíche pequeno, pois ela queria se manter em forma. Já me exercito pouco, não posso exagerar... Não é como se nós tivéssemos magia por aqui.
Enquanto comiam, Illan, Elle e Nohana conversaram sobre a manhã de trabalho. Riram de alguns clientes, comentaram sobre um computador específico que vinha dando problemas constantemente e falaram sobre um mouse que vinha sendo vendido aos montes.
“E os namorados, Nohana?” riu Elle. “Alguma novidade?”
“Nenhuma...” a moça suspirou. “O último que eu arrumei era um desses aventureiros”.
“Como assim?”
“O menino era lindo e tal”, começou Nohana. “Ele era alto, tinha a pele morena de dar inveja, os olhos pretinhos que nem ônix!”
“Até aí tudo bem, mas e aí?”
“E aí que ele quis abandonar Hopeland”, os olhos da jovem foram para o alto, sua cabeça segura pelos braços apoiados na mesa e expressão de desgosto escrita em sua face. “Ele quis conhecer magia”.
“A realidade na Terra da Esperança não é tão esperançosa assim, não é?”
“Não, mas eu não ia achar ruim encontrar um cara que gostasse de mim e topasse não sair do continente”.
Juntos, os três, que já haviam pago pela comida antecipadamente, voltaram para o trabalho. O Sonho de Hambúrguer já estava lotado quando saíram, fazendo com que Illan voltasse a comentar: “Ainda bem que viemos correndo pra cá”.
A tarde passou rapidamente. Nohana estava em um dia produtivo e, com isso, passou pouco tempo parada. Quando finalmente deu a hora de sair do trabalho, ela se deu por satisfeita, se despediu dos colegas e voltou para casa.
Ao chegar, foi direto para o seu quarto trocar de roupa. Queria vestir algo mais casual. Em seguida, foi para o sofá da sala de estar, ligou a televisão e ficou olhando o tempo passar enquanto demonstrações de magia, transmitidas a partir da longínqua cidade anã de Moradin, eram feitas por elfos magos, aparentemente, ciganos. Não é à toa que as pessoas acabam indo embora daqui.
Nohana mudou de canal e se demorou no sofá enquanto o noticiário afirmava que, mais uma vez, uma pesquisa científica falhara ao tentar compreender o porquê da ausência de magia em Hopeland. Vou assistir essa notícia todos os dias até o fim da minha vida.
A vendedora, então, sentiu um pouco de dor de cabeça. Vou tomar um remédio, comer e dormir. E assim ela fez. O dia se encerrou assim como começou: com a promessa do sol nascer de novo na Terra da Esperança.