24 novembro, 2014

Amiga anônima



Um dia como outro qualquer, deixei meu livro em casa por medo de molhar na chuva. O metrô está relativamente vazio, poderia até chamar de confortável. Começo a observar a cara de cansaço das pessoas e imaginar o que se passa na vida delas, o que fazem, quais são as suas preocupações. É nesse olhar avaliativo que me deparo com aquela garota, sentada no último bando do vagão. Camiseta, calça jeans e All Star. Ela está lendo .  Reconheço a capa instantaneamente de E O Vento Levou. Como poderia esquecer a capa do livro que mais me tocou? Um sorriso surge no meu rosto e um sentimento de ternura e empatia surge imediatamente. Tento disfarçadamente chegar até ela e ver qual parte ela está, mas não tenho coragem de interrompê-la na leitura que mais me agradou. Será que ela é Team Rhett ou Team Ashley? Será que ela já sabe o final?
Entro em um devaneio, para essa garota ela pode estar em meio a guerra civil nos Estados Unidos, bombas e fome por todos os lugares e eu estou aqui, observando ela se perder dentro das páginas do meu romance preferido. Ela poderia estar lendo qualquer outro livro, mas está lendo o meu predileto. Temos algo em comum, ela poderia ser minha amiga. Eu poderia ter ficado horas e horas falando para ela que não me conformava com o final, enquanto ela devoraria as páginas para saber o que eu estava falando. Mas não. Eu estou aqui, ela está lá. Eu estou dentro do metrô em São Paulo e ela está em Atlanta em meados de 1860.
O som no trem anuncia a próxima estação, ela fecha o livro, mas mantém o dedo marcando a página, se encaminha até a porta e espera ela abrir. Minha amiga está indo embora, não vou saber se ela também vai ficar chocada com o desfecho. As portas se abrem, ela sai e vejo-a seguindo rumo às escadas. Talvez o livro seja a única coisa que tenhamos em comum. Talvez, ela chegue em casa e coloque-o do lado de outras obras que admiro. Volto para a casa com a sensação de ter uma nova amiga, a minha amiga anônima do metrô. É provável que eu nunca volte a vê-la, mas sei que em algum lugar, está outra garota que parou para ler a história da Scarlett O'Hara, assim como outras centenas de amigos anônimos que tenho por aí. São amigos, sim! São anônimos, sim! E ‘Frankly, my dear, I don't give a damn’.
Quem sabe você não é meu amigo anônimo?
Um brinde às pessoas que leem em transporte público!