Um dia
como outro qualquer, deixei meu livro em casa por medo de molhar na chuva. O metrô
está relativamente vazio, poderia até chamar de confortável. Começo a observar
a cara de cansaço das pessoas e imaginar o que se passa na vida delas, o que
fazem, quais são as suas preocupações. É nesse olhar avaliativo que me deparo
com aquela garota, sentada no último bando do vagão. Camiseta, calça jeans e
All Star. Ela está lendo . Reconheço a capa instantaneamente de E O Vento Levou. Como poderia
esquecer a capa do livro que mais me tocou? Um sorriso surge no meu rosto e um
sentimento de ternura e empatia surge imediatamente. Tento disfarçadamente
chegar até ela e ver qual parte ela está, mas não tenho coragem de
interrompê-la na leitura que mais me agradou. Será que ela é Team Rhett ou Team
Ashley? Será que ela já sabe o final?
Entro
em um devaneio, para essa garota ela pode estar em meio a guerra civil nos
Estados Unidos, bombas e fome por todos os lugares e eu estou aqui, observando
ela se perder dentro das páginas do meu romance preferido. Ela poderia estar
lendo qualquer outro livro, mas está lendo o meu predileto. Temos algo em
comum, ela poderia ser minha amiga. Eu poderia ter ficado horas e horas falando
para ela que não me conformava com o final, enquanto ela devoraria as páginas
para saber o que eu estava falando. Mas não. Eu estou aqui, ela está lá. Eu
estou dentro do metrô em São Paulo e ela está em Atlanta em meados de 1860.
O som
no trem anuncia a próxima estação, ela fecha o livro, mas mantém o dedo
marcando a página, se encaminha até a porta e espera ela abrir. Minha amiga
está indo embora, não vou saber se ela também vai ficar chocada com o desfecho.
As portas se abrem, ela sai e vejo-a seguindo rumo às escadas. Talvez o livro
seja a única coisa que tenhamos em comum. Talvez, ela chegue em casa e
coloque-o do lado de outras obras que admiro. Volto para a casa com a sensação
de ter uma nova amiga, a minha amiga anônima do metrô. É provável que eu nunca
volte a vê-la, mas sei que em algum lugar, está outra garota que parou para ler
a história da Scarlett O'Hara, assim como outras centenas de amigos anônimos
que tenho por aí. São amigos, sim! São anônimos, sim! E ‘Frankly, my dear, I
don't give a damn’.
Quem
sabe você não é meu amigo anônimo?
Um
brinde às pessoas que leem em transporte público!